Restaurantes criados por imigrantes mostram como a
cozinha estrangeira se tornou ponte entre tradição, identidade e curiosidade
gastronômica
A expansão da cozinha estrangeira no Brasil revela um
movimento que vai além do paladar. Bares e restaurantes criados por imigrantes
passaram a ocupar espaço relevante nas grandes cidades, trazendo novos sabores
e novas narrativas para o setor de alimentação fora do lar. Em São Paulo e Belo
Horizonte, empreendimentos como o Macondo Raízes Colombianas e o Malewa Food
exemplificam como a cozinha estrangeira atrai consumidores, aproxima culturas e
combate estereótipos.
A cozinha estrangeira também se torna porta de entrada para
histórias pessoais. Muitos negócios começam da saudade, da dificuldade de
encontrar ingredientes ou do desejo de representar a própria cultura em uma
cidade onde quase tudo existe, exceto os pratos da terra natal. A experiência
dos empreendedores reforça como a cozinha estrangeira se consolida como
elemento de identidade e como oportunidade de negócio.
A saudade que vira cozinha estrangeira e encontra espaço
no Brasil
O Macondo Raízes Colombianas nasceu em 2014, quando o chef
colombiano Jair Rojas percebeu que São Paulo, apesar de sua fama gastronômica,
tinha poucas opções de cozinha estrangeira da Colômbia. “Ele nasceu no final de
2014 como uma necessidade pessoal de encontrar comida colombiana aqui na
cidade”, conta. O início foi como barraca de rua, inspirado na Macondo dos
livros de Gabriel García Márquez. A partir dali, a cozinha estrangeira
colombiana encontrou público fiel.
Em Belo Horizonte, a trajetória de Princess Kambilo segue
caminho semelhante. Congolesa, ela encontrou na cozinha estrangeira do Congo
uma forma de se sustentar e de representar sua cultura. “A saudade da comida de
casa foi o ponto de partida. Quando percebi que podia compartilhar esses
sabores e ainda ter uma renda como mãe solteira, decidi criar o Malewa”, diz.
O acolhimento dos brasileiros foi determinante. “O que mais
me surpreendeu foi a vontade das pessoas de experimentar novos sabores. Os
brasileiros são muito abertos”, afirma Princess. Essa abertura explica por que
a cozinha estrangeira se espalha com força no país e se torna cada vez mais
presente nos cardápios urbanos.
Entre adaptações e tradições, a cozinha estrangeira
transforma percepções
Mesmo em cidades com oferta diversificada, trazer a cozinha
estrangeira para o Brasil ainda exige adaptação. Jair explica que importar
ingredientes colombianos é caro e burocrático, o que obriga o restaurante
a buscar equivalências. “Mesmo sendo países vizinhos, é muito difícil ter
produtos da Colômbia por causa dos impostos”, detalha. Quando não é possível
alcançar o sabor tradicional, o prato não entra no cardápio.
Princess vive lógica parecida. “A maior dificuldade era
encontrar ingredientes específicos. O segredo é como misturar esses
ingredientes para ter um sabor diferenciado da terra mãe”, afirma. Assim, a
cozinha estrangeira se adapta, preserva técnicas e reinventa receitas sem
perder a identidade.
Entre os pratos mais emblemáticos do Macondo estão a Bandeja
Paisa, as arepas e os patacones, que sintetizam a riqueza da cozinha
estrangeira colombiana. No Malewa, os temperos africanos criam combinações
intensas e marcantes. “A comida congolesa é uma experiência única”, diz
Princess.
Mas a cozinha estrangeira não transforma apenas o paladar.
Ela muda olhares. “A culinária africana é muito mais do que ‘comida exótica’.
Cada receita carrega histórias e tradições”, afirma Princess, destacando o
papel social da gastronomia.
Jair observa mudança semelhante em relação à Colômbia. “Os
olhos do brasileiro mudaram totalmente. Agora perguntam por Shakira, pelo café,
por García Márquez, pelas praias”, relata. O interesse crescente mostra como a
cozinha estrangeira se torna porta para um novo entendimento cultural.
Quando o cliente
experimenta pela primeira vez, o impacto é imediato. “É muito positivo ver como
as pessoas são abertas para experimentar coisas novas”, diz Jair. Princess
resume o sentimento: “Saber que estamos compartilhando um pedacinho do Congo é
muito gratificante”.
Cozinha estrangeira fortalece vínculos culturais e amplia
experiências
A cozinha estrangeira que se espalha pelo Brasil cumpre
função que ultrapassa a gastronomia. Ela aproxima países vizinhos, resgata
identidades, amplia repertórios e cria pontos de encontro entre culturas. Nos
restaurantes de Jair e Princess, os clientes não consomem apenas refeições, mas
histórias, memórias e afetos.
O resultado é a formação de públicos diversos. Imigrantes
que buscam sabores da infância, brasileiros curiosos que querem explorar novas
tradições e famílias afrodescendentes que encontram na cozinha estrangeira uma
forma de reconexão cultural.
A partir dessa dinâmica, a cozinha estrangeira ganha
relevância como fenômeno social e gastronômico. Ela revela como a comida pode
ser linguagem, ponte e acolhimento, e como pequenos empreendedores transformam
cidades por meio de pratos que carregam o mundo dentro.
.gif)


